
De um jeito nada óbvio, Wagner Moura falou à Tpm de família, casamento, medo e assédio
Por Ariane Abdallah
Que tipo de homem você é? O cara mais normal que existe, que leva o filho na escola, trabalha, volta pra casa. Sou canceriano, caseiro, gosto de ficar com a minha mulher, com a minha família, com meus amigos. Sou esse cara mediano, sabe? Que toma cerveja no sábado, assiste o jogo, mas gosta de Shakespeare. Aí falam: “Tem uma sensibilidade, é artista” [risos].
A Sandra (Delgado, mulher de Wagner) é simples, uma pessoa comum. Você gosta dessas mulheres que reinventam o próprio corpo? Tem algumas que ficam lindas, grandes... Mas eu gosto do tipo da San. Acho mais bonito. Gosto de pessoa com cara de pessoa. De mulheres e homens que pareçam seres humanos. Tem pessoa que parece outra coisa diferente, principalmente artista. [Pausa] San é linda, cara.
Em algum momento você se deslumbrou? Não. Mas todos nós somos um tanto narcisistas. Tenho um superorgulho de tudo o que fiz, tenho projetos pra dirigir, escrever, lançar minha banda, que é uma coisa que adoro. Aliás, é um perigo porque é muito mais astral do que trabalhar como ator.
Como assim? Os caras [da banda Sua Mãe, formada por ele, vocalista, e mais seis integrantes] são meus amigos da escola, e o rock tem uma coisa desencanada, uma falta de rigor. Talvez se eu tivesse que fazer um show por semana ficasse chato, mas do jeito que é posso tomar uma cerveja que não fico preocupado se vou ficar rouco, que amanhã tenho que acordar cedo. Isso me dá um prazer muito grande. Eu fiquei adulto, né?
Ao contrário de atores da sua geração, como seus amigos Lázaro Ramos e Vladimir Brichta, Selton Mello e Mateus Nachtergaele, você nunca teve contrato com a Globo. Por quê? Eu não ia me sentir bem. Agora mesmo eu ia fazer a novela do Gilberto Braga, mas achei que não era hora e respondi isso com tranquilidade. Como eu poderia dizer: “Porra, quero ir pra Bahia, ficar com meu filho...”, se eu estivesse ganhando uma grana todo mês?
O que você faz quando tem um dia livre? Acordo supertarde, fico com o Bem, brincando com ele...
Quem é sua mãe? Minha mãe é quem brincava comigo quando eu era criança. Meu pai se esforçava pra brincar, mas não tinha a manha. A minha mãe era menina, me teve com 21 anos, e era uma cabrita de cidade do interior da Bahia. Até hoje se conserva muito jovial. A gente tem esse gosto de cantar junto. Às vezes eu saía com ela em Salvador, falava: “Aí, mãe, vamos tomar uma cerveja?”. E a gente ia. Era um programa que não rolava muito com meu pai. Ele é o contrário, tem uma coisa serena. Com ele era mais um lance de conversar, ele era dos livros, da leitura. Minha mãe era também muito louca, muito honesta nos sentimentos dela. Tipo: “Ah, você é uma criança? Foda-se, tô puta”.
Quantos anos você tinha quando chegou ao Rio de Janeiro? 23. Eu trabalho como ator desde os 14, e uma hora comecei a achar que não ia rolar mais, não tava rolando trabalho, ao mesmo tempo eu estava indo forte na faculdade, achava que ia ser jornalista. Aí teve o Enecom, Encontro Nacional de Estudantes de Comunicação, em Floripa. Comprei minha passagem com a galera. Aí uma diretora de teatro com quem trabalhei um monte, Hebe Alves, me ligou e falou: “José Possi Neto [diretor de teatro] está aqui em Salvador e precisa de atores homens. Indiquei você e Vladimir [Brichta, amigo de Wagner]. Só que era no dia que eu ia viajar. Falei: “Porra, Hebe, eu vou pra Florianópolis, acho que não sou ator...”. Mas por um lado era como se alguém estivesse dizendo: “Você tem mais uma chance de fazer isso”. Fiquei com essa questão me atormentando. Quando estava todo mundo no ônibus, eu peguei minha passagem, dei pra um amigo que estava sem e fui fazer o teste. Aí o Possi falou: “Gostei muito da sua leitura”. Era de noite, estava chovendo, mas eu fui embora correndo até minha casa, que era longe. Não consegui ficar parado de tanta felicidade. E essa alegria, desse jeito, não tenho mais com o que faço. Tenho alegrias, acontecem coisas superlegais, trabalhos que gosto, mas não tenho mais esse frisson de correr na chuva. E a banda é uma coisa que me dá uma alegria parecida com isso.
Você acredita em acaso? Acho que a vida é isso. Mas não tenho a menor dúvida de que a gente faz nosso caminho, de que temos um poder grande também. Me interesso muito por religião. Meus pais são espíritas kardecistas, minha avó era católica, eu fui coroinha da igreja em Rodelas. Em Salvador, eu não concebia o fato de ser um baiano que não tivesse uma relação com a cultura do candomblé. Então minha aproximação com o candomblé foi muito mais cultural do que religiosa. Nos últimos tempos tenho me interessado também pela ciência, na mesma batida, uma coisa que te faça entender o que não tem explicação.
E, em Deus, acredita? Tenho a impressão de que realmente nós todos somos Deus. Esse poder de construir o seu caminho é a onda do poder divino. Fico pensando que Deus é o homem do futuro, o cara que vai um dia usar seu potencial mental completamente e entender: “Caralho, sou Deus”.
Você hoje faz meditação transcendental. Como é na prática? Fico assim [sentado numa cadeira com as pernas paralelas e as mãos sobre as pernas] e fecho o olho. Vinte minutos de manhã e 20 à noite. Nesse ritmo de filmagem faço só uma vez por dia. É um lance que vai ao encontro dessa coisa de ser Deus. Nada mais é do que olhar pra si mesmo e reconhecer em você o universo inteiro.
Mais em:http://revistatpm.uol.com.br/revista/97/paginas-vermelhas/sou-so-um-cara.html#3
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